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O Programa de Ações Afirmativas para os Povos Indígenas no âmbito da UFSCar


Tendo em vista a minuta de resolução que prevê a implantação da modalidade de ingresso por reserva de vagas para acesso aos cursos de graduação da UFSCar de acordo com o Programa de Ações Afirmativas (PAA), torna-se necessário considerar alguns aspectos do referido documento sobre a forma de ingresso de indígenas ao Programa.

De acordo com o artigo 2º, a Modalidade de Ingresso por Reserva de Vagas tem por objetivos:

“I – Ampliar o acesso, nos cursos de Graduação oferecidos pela UFSCar, de candidatos que tenham cursado o ensino médio integralmente na rede pública (municipal, estadual, federal) com adequada proporcionalidade de participação de negros (pretos e pardos) e de indígenas aldeados, mediante aprovação no competente processo seletivo;

II – Desenvolver ações visando apoiar a permanência dos alunos economicamente desfavorecidos na universidade mediante condições de sobrevivência e de orientação para o adequado desenvolvimento e aprimoramento acadêmicopedagógico.”

Prevêse

ainda que das vagas integrantes da Modalidade de Ingresso por Reserva de Vagas, 35% (trinta e cinco por cento) serão destinadas a candidatos negros (pretos e pardos) e a candidatos indígenas indicados por seu povo para candidatarse ao processo seletivo da UFSCar.

Primeiramente, cabe observar que a expressão “índios aldeados”, pode dar margem a um processo de exclusão de índios que não se encontram nessa condição, inclusive, devido à desterritorialização. Sugerese que o adjetivo “aldeados” seja retirado do texto, a não ser que o Programa explicitamente preveja somente a inclusão de índios nesta condição. De todo modo, é importante, particularmente do ponto de vista da política indigenista, que se mantenha o critério de representatividade (não necessariamente “indicação”); ou seja, que os índios que venham a fazer parte do Programa sejam reconhecidos não só como tais pelas comunidades as quais dizem pertencer, mas as representem de acordo os critérios de representação tal como definidos pelas formas de organização sóciopolítica

que estas comunidades possuam.

Também, e em segundo lugar, deve ficar esclarecido no texto que a porcentagem de 35% destinadas aos integrantes da Modalidade de Ingresso por Reserva de Vagas não inclui negros e indígenas simultaneamente, mas que 34% dessas vagas são destinadas aos negros e 1% aos índios. Tal esclarecimento é necessário dado que um equívoco de interpretação poderia sugerir a concorrência entre dois “grupos” em diferentes condições de escolarização.

De fato, o documento não está levando em consideração a real situação educacional dos povos indígenas no Brasil. Desde a Constituição atualmente vigente e das leis subseqüentes para a orientação de uma política de escolarização indígena, tem sido reconhecido o direito desses povos a uma educação diferenciada e específica que respeite a cultura e os modos de produção e transmissão das suas próprias formas de conhecimento. O modelo adotado tem sido o de uma educação intercultural bilíngüe e com currículos diferenciados, procurando-se respeitar as especificidades de cada povo.

Os impasses e contradições desse modelo têm levado os antropólogos ligados à área a seriamente questiona-lo frente, inclusive, à própria demanda indígena por escolarização qualificada. O que cabe ressaltar aqui, é que, frente a essa situação, parece difícil que, mesmo com a reserva de cotas, os candidatos indígenas tenham condições reais de ingresso na universidade por meio do vestibular que exige conhecimentos mais específicos e formais.

Caberia, assim, explicitar como se dará essa "orientação para o adequado desenvolvimento e aprimoramento acadêmico-pedagógico" para os índios para que esse processo de “inclusão” não seja meramente retórico e figurativo, ou mesmo se transforme em uma forma de "exclusão disfarçada" pela falta de um programa complementar que atenda tanto a demanda para a formação em nível superior quanto se mantenha os princípios constitucionais de respeito às diferenças e particularidades culturais do aluno indígena. Nesse sentido, ações deveriam ser tomadas tanto para avaliar as condições em que hoje os potenciais candidatos se encontram, quanto para prepará-los adequadamente para o vestibular e o possível ingresso na universidade. Ou seja, a manutenção de um programa permanente e prévio de avaliação e preparação para o vestibular e o eventual ingresso na universidade em condições mínimas que lhes permitam formas de equalização não somente no acesso à universidade, mas na sua permanência e aproveitamento, discussões sobre a educação superior para os povos indígenas no Brasil remetem, pois, a elaboração de um programa que atenda essas premissas; ou seja, conjuguem uma política de ação afirmativa com direitos culturalmente diferenciados para esses povos. Sob esse aspecto, tratase, assim, de discutir a possibilidade de se gerar quer um modelo de acesso diferenciado, quer estratégias específicas para viabilizar a permanência desse alunado nos cursos regulares oferecidos pela instituição, ou ainda a formação de um modelo de educação superior que integre as diferenças culturais na sua própria formulação.


(Marina D. Cardoso-DCSo / UFSCar)