A fome, as epidemias, as endemias e o analfabetismo colocam em xeque
quotidianamente a ciência como possibilidade de
instrumentalizar ações estimuladoras de cidadania.
Portanto pensar a ciência e consciência no processo de
construção da identidade brasileira pode subsidiar, por
exemplo, reflexões sobre a discussão nacional sobre as
cotas para negros nas universidades.
Alunos concluintes do ensino médio no Brasil têm,
predominantemente, referenciais das culturas européia e cristã
em sua formação e, ao ingressarem nas universidades,
via de regra, permanecem com os mesmos referenciais o que ,
independente de suas etnias e classe social , contribuirá para
que as ações e elaborações teóricas
do futuro profissional não levem em conta a necessidade de ser
partícipe da civilização que está em
construção no país.
Embora seja incontestável ser a cultura européia a mais
consolidada nas Ciências , nas Artes e na Filosofia , o
estudante brasileiro precisa ter acesso qualificado às
culturas africana e ameríndia para representar-se como cidadão
brasileiro.
O secular preconceito ao negro e ameríndio como resultado da
situação de inferioridade na relação de
poder imposta pelo escravismo de história recente, faz com que
todos, de qualquer etnia e classe social optem preferencialmente por
identificarem-se com a cultura européia.
Os movimentos que tratam da defesa dos direitos das pessoas negras
vêm contribuindo para o aumento da auto estima e conseqüente
inclusão das mesmas no meio social. Contudo, ao contrário
dos afrodescendentes, os índios nativos e seus descendentes,
não apenas são discriminados como não têm
visibilidade e, devido à tez clara , chegam inclusive a negar
a sua origem.
A tendência etnocêntrica de considerar o negro e o
ameríndio como inferiores indicam a permanência do
pensamento raciológico europeu dos séculos XVII e XIII
que tem em Hegel um dos seus representantes por considerar o negro
como o mais inferior de todos os tipos humanos , assim como , à
época , as ciências biológicas consideravam as
mulheres menos inteligentes do que os homens e a Criminologia, com
Lombroso , admitiam que através do tipo físico podia-se
reconhecer um criminoso. Quanto sofrimento foi evitado com o avançar
da ciência , sobretudo nas sociedades e grupos humanos que têm
acesso às informações e delas querem e podem
usufruir!
Ser brasileiro é uma categoria sócio-política e
cultural em construção e que hoje, graças ao
avanço da ciência que contribui para a qualificação
dos Movimentos de Consciência Negra, tende a incluir os
afrodescendentes como partícipes da história pelos
direitos sociais. Entretanto, não há movimentos
significativos dos ameríndiodescendentes. Estão nas
cidades dividindo com os mais pobres cidadãos brasileiros o
que lhes é destinado pelas políticas públicas.
Segundo dados do PNDA (1996), 150.891 índios deixaram as
aldeias para viverem nas cidades em busca de educação,
saúde e emprego. Quanto aos eurodescendentes, a história
indica que muitos dividiram e dividem com negros e ameríndios
as arbritariedades promovidas pelos donos do poder político,
econômico e religioso do país.
Hoje, o empenho de desvendamento do ser brasileiro está em
pauta e, mais uma vez, estão a postos os sujeitos que fazem
deste país um espaço privilegiado para a construção
de uma nova história onde as diversas etnias não se
constituam entraves à civilização. A
Universidade pode e deve habilitar profissionais capazes de virem a
se constituir agentes multiplicadores de uma nova forma de fazer
ciência no Brasil.
Em todas as áreas do conhecimento faz-se fundamental que
professores e alunos disponham-se a participar de um processo de
construção de ciência onde esteja embutida a
consciência universal mas também a nacional , regional e
local.
A persistência do atraso econômico e político faz
com que em nossas escolas e universidades sejam transmitidas até
hoje o pensamento europeu do século XIX com uma importância
que muitas vezes desconsidera o próprio movimento da história.
Por outro lado , a quase total ausência de debates motivada
pelo autoritarismo característico de sociedades cultural ,
econômica e politicamente dependentes dificulta a criatividade
que dá acesso à formação de novos
conceitos e novas teorias.
Vale lembrar a importância do Movimento Modernista que tentou a
edificação de uma cultura nacional que recusava a
inação, como o afirmava Mário de Andrade: \"Façam
ou se recusem a fazer arte, ciência, ofícios. Mas não
fiquem apenas nisto , espiões da vida, camuflados em técnicos
da vida, espiando a multidão passar\".
*Assistente social, professora do Departamento de Fundamentos do
Serviço Social do Centro Sócio Econômico.
(Heliana Baía Evelin)