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SOCIEDADES INDÍGENAS E A AÇÃO DO GOVERNO

4. ASPECTOS LEGAIS

Tratamento Constitucional de 1934 a 1969

A Constituição de 1934 estabeleceu a competência privativa da União para legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão nacional, assegurando-lhes o respeito à posse das terras em que se achassem permanentemente localizados, as quais não poderiam ser alienadas. Com pequenas mudanças de redação, as Constituições de 1937 e 1946 repetiram os mesmos princípios.

Já o texto constitucional de 1967 fez importante acréscimo ao estabelecer que as terras ocupadas pelos silvícolas integram o Patrimônio da União. Outro dispositivo assegurou o usufruto exclusivo dos índios sobre os recursos naturais e de todas as utilidades existentes em suas terras.

Atribuir as terras indígenas ao domínio da União foi a fórmula encontrada para impedir que tais terras pudessem ser vendidas ou loteadas. Trata-se, portanto, de uma solução legal que visa a garantir uma base física permanente para as sociedades indígenas.

A Emenda Constitucional de 1969 aditaria a esse corpo de normas um novo preceito estatuindo a \\\"nulidade e extinção dos efeitos jurídicos dos atos de qualquer natureza que tivessem por objeto o domínio, a posse ou a ocupação por terceiros de terras habitadas pelos indígenas\\\", estabelecendo também que os terceiros ocupantes não teriam direito a qualquer ação ou indenização contra a União e a FUNAI.

A Constituição de 1988

O tratamento constitucional da questão indígena ampliou-se consideravelmente em 1988.

O artigo 20 da Constituição Federal de 1988, inclui entre os bens da União as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. A inovação é importante. Trata-se aqui de reconhecer não apenas a ocupação física das áreas habitadas pelos grupos indígenas, mas sim a ocupação tradicional (segundo as tradições) do território indígena, o que significa reconhecê-lo como toda a extensão de terra necessária à manutenção e preservação das particularidades culturais de cada grupo. Incorporam-se aí não apenas as áreas de habitação permanente e de coleta, mas também todos espaços necessários à manutenção das tradições do grupo. Entram nesse conceito, por exemplo, as terras consideradas sagradas, os cemitérios distantes e as áreas de deambulação. A Constituição de 1988 identificou assim o conceito de terra indígena com o de \\\"habitat\\\", explicitando que a posse indígena não se confunde com o conceito civil.

O artigo 22 afirma a competência privativa da União para \\\"legislar sobre populações indígenas\\\". Aqui também se verifica uma ruptura importante com relação às Constituições anteriores, que se referiam à competência da União para \\\"legislar sobre <B>incorporação<D> do silvícola à comunhão nacional\\\". Ao abandonar intencionalmente qualquer referência à incorporação ou integração dos índios à sociedade nacional, a Constituição de 1988 reconheceu o direito das populações indígenas de preservar sua identidade própria e cultura diferenciada. Na tradição constitucional anterior, a condição de índio era vista como um estado transitório que cessaria necessariamente com a integração. A partir de 1988, o discurso da integração cedeu passo ao reconhecimento da diversidade cultural.

O artigo 49 estabelece a competência exclusiva do Congresso Nacional para autorizar a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais nas terras indígenas.

O artigo 109 fixa a competência da Justiça Federal para processar e julgar disputas sobre direitos indígenas, e o artigo 129 inclui entre as funções institucionais do Ministério Público a defesa judicial dos direitos e interesses das populações indígenas.

O artigo 215 assegura às comunidades indígenas o ensino fundamental bilíngüe (utilização de suas línguas e processos próprios de aprendizagem).

Os artigos 231 (desdobrado em seis parágrafos) e 232 contêm todo um capítulo sobre os direitos dos índios, onde ressaltam os seguintes elementos:

  • reconhecimento da identidade cultural própria e diferenciada dos grupos indígenas (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições), e de seus direitos originários (indigenato) sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas devem ser demarcadas e protegidas pela União. O reconhecimento da organização social das comunidades indígenas determina assim a orientação da política indigenista. O abandono implícito da vocação integracionista encontrada nos textos constitucionais anteriores abriu espaço para uma nova ótica que valoriza a preservação e desenvolvimento do patrimônio cultural indígena. Por sua vez, a recuperação jurídica do instituto do indigenato (figura comum nas leis e cartas régias do período colonial) assentou o reconhecimento de que a posse indígena da terra decorre de um direito originário, que por isso independe de titulação, precede e vale sobre os demais direitos (art. 231, caput);
  • as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231, parágrafo 1º);
  • nas terras tradicionalmente ocupadas os índios detêm o direito de posse permanente e de usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos (art. 231, parágrafo 2º);
  • o aproveitamento dos recursos hídricos e a pesquisa e lavra mineral em terras indígenas somente podem ser realizadas mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, que terão participação assegurada nos resultados da lavra, na forma da lei (art. 231, parágrafo 3º). Trata-se portanto de matéria que depende da aprovação de lei específica na qual se definirão os procedimentos e condições para a aprovação pelo Congresso de projetos de exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas;
  • as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos que os índios exercem sobre elas são imprescritíveis (art. 231, parágrafo 4º);
  • os grupos indígenas não podem ser removidos de suas terras a não ser em casos de catástrofe ou epidemia, com o referendo do Congresso Nacional, ou no interesse da soberania, com aprovação prévia do Congresso (art. 231 parágrafo 5º);
  • são nulos, extintos e não produzem efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio ou a posse por terceiros e a exploração dos recursos naturais do solo, rios e lagos nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. A nulidade e extinção não geram direito de indenização ou de ação contra a União, salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de ocupação e exploração dos recursos naturais em caso de relevante interesse público da União, em circunstâncias a serem definidas em lei complementar (art. 231 parágrafo 6º);
  • os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, sendo obrigatória a intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo (art. 232).

Por último, o Artigo 67 das Disposições Transitórias determinou prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição para a conclusão da demarcação das terras indígenas. Esse prazo encerrou-se em 5 de outubro de 1993 sem que pudesse ter sido concluída a demarcação de todas as áreas indígenas no país.

O Estatuto do Índio

Desde a promulgação da Constituição de 1988, sentiu-se a necessidade de rever o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/73) de forma a compatibilizá-lo com o novo texto constitucional. Com esse propósito foram introduzidos na Câmara de Deputados três projetos de lei. O primeiro deles oriundo do Executivo e os outros dois que resultaram da contribuição de organismos não-governamentais. Para exame desses projetos a Câmara designou Comissão Especial que examinou o assunto a partir de 1992.

O substitutivo aprovado pela Comissão Especial é o projeto de lei que disciplina o Estatuto das Sociedades Indígenas. O projeto aguarda um pronunciamento final pelo plenário da Câmara.

Embora o texto atual do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/93) não descuide da preservação da cultura indígena, seu articulado empresta maior ênfase à \\\"integração progressiva e harmoniosa dos índios e das comunidades indígenas à comunhão nacional\\\", propósito que desde 1988 deixou de figurar entre os princípios constitucionais da política indigenista.

Os dispositivos atuais do Estatuto permanecem vigentes naquilo que não confrontem a Constituição. Por isso, sua leitura deve ser feita com a cautela de singularizar os aspectos que requerem adaptação ao novo texto constitucional. O aspecto mais importante é que a ótica da tutela de pessoas foi substituída pela da tutela de direitos. Seguem resumidas as principais disposições do Estatuto vigente.

Aplicam-se aos índios as normas constitucionais relativas à nacionalidade e à cidadania, mas o exercício dos direitos civis e políticos pelo índio depende da verificação de condições especiais, exigidas de todos os demais cidadãos. Estendem-se aos índios os benefícios da legislação comum sempre que possível a sua aplicação. Aplicam-se, com a ressalva de que não podem ser desfavoráveis ao índio, as normas de direito comum nas relações entre índios não-integrados e pessoas estranhas à comunidade. As relações de trabalho são fiscalizadas pelo órgão de proteção. Nas relações de família, sucessão, regime de propriedade e nos negócios realizados entre índios, respeitam-se os seus usos, costumes e tradições (normas consuetudinárias do grupo indígena), salvo se optarem pela aplicação do direito comum.

A lei nº 6.001/93 classifica os índios em isolados, em vias de integração e integrados. Na última categoria consideram-se os \\\"incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura\\\". Esta distinção perdeu instrumentalidade a partir da Constituição de 1988.

As terras indígenas devem ser demarcadas pelo poder público e registradas no Serviço (Secretaria) do Patrimônio da União. O Estatuto proíbe o arrendamento de terras indígenas, mas permite a continuação dos contratos existentes à época de promulgação da lei.

Os índios detêm a posse permanente nas terras tradicionalmente ocupadas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais aí existentes, que compreende o direito de percepção do produto de sua exploração econômica.

O reconhecimento da posse indígena independe da demarcação. A posse deve ser assegurada respeitando-se a situação atual e o consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação indígena na área.

As terras indígenas podem ser de três tipos: terras tradicionalmente ocupadas, terras reservadas e terras de domínio comum dos índios ou das comunidades.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas de que trata o parágrafo 1º do art. 231 da Constituição Federal. Em princípio, não se confundem com os outros tipos previstos no Estatuto.

As áreas reservadas são aquelas destinadas pela União à posse e ocupação pelos índios. Podem tomar a modalidade de reserva indígena, parque indígena, ou colônia agrícola indígena, ou território federal indígena.

As terras de domínio indígena são aquelas de propriedade plena do índio ou de comunidade indígena, adquiridas de conformidade com a legislação civil (compra e doação, por exemplo). O índio que possuir como seu imóvel menor de 50 hectares adquire a propriedade plena ao cabo de 10 anos (usucapião indígena).

O órgão federal de proteção aos índios é responsável pela gestão do patrimônio indígena, que inclui, dentre outros bens, as terras pertencentes ao domínio dos grupos indígenas, o usufruto das riquezas naturais nas áreas reservadas e nas terras tradicionalmente ocupadas.

A gestão do patrimônio indígena deve propiciar a participação dos grupos indígenas, ou lhes ser inteiramente confiada caso demonstrem capacidade efetiva para tanto. A renda resultante da exploração econômica do patrimônio deve ser destinada preferentemente a programas de assistência ao índio.

Nas terras indígenas é vedada às pessoas estranhas à comunidade a prática de caça, pesca, coleta de frutos, atividade agropecuária ou extrativa.

A faiscação, garimpagem e cata nas terras indígenas somente podem ser exercidas por integrantes do grupo.

É assegurada a participação dos índios no resultado da exploração dos recursos do subsolo.

O corte de madeira está condicionado à existência de programas de aproveitamento de terras na exploração agropecuária, indústria e reflorestamento. Observe-se, no entanto, que o Código Florestal (Lei nº 4.771/65) trata como de preservação permanente as florestas existentes nas áreas indígenas.

O Estatuto inclui também normas sobre respeito ao patrimônio cultural, educação bilíngüe, assistência à saúde, e normas penais contendo a definição de crimes contra a cultura e a pessoa do índio.

Regulamentos Institucionais

A lei nº 5.371/67 autorizou o Governo Federal a instituir a FUNAI, sob a forma de fundação de direito privado, com as atribuições de estabelecer as diretrizes de política indigenista, exercer a tutela dos índios não-integrados, gerir o patrimônio indígena, promover estudos e pesquisas, prestar assistência médico-sanitária, educação de base, e exercer o poder de polícia nas áreas indígenas.

O Decreto nº 564, de 8 de junho de 1992, aprovou os Estatutos da FUNAI atualmente em vigor.

Com a criação da FUNAI, foi extinto o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910 por iniciativa do Marechal Rondon.

O Museu do Índio, com sede no Rio de Janeiro, é órgão integrante da Fundação.

Ao ser criada, a FUNAI ficou sujeita à supervisão do antigo Ministério do Interior. Em março de 1990, a FUNAI foi transferida para o âmbito do Ministério da Justiça.

A legislação mais recente sobre aspectos inter-institucionais na execução da política indigenista está contida no decreto nº 1.141, de 19 de maio de 1994. Esse decreto revogou disposições anteriores contidas nos decretos nº 23, 24 e 25, de 4 de fevereiro de 1991, que, respectivamente, atribuíam responsabilidade a diferentes órgãos da administração federal na implementação das ações de assistência à saúde das populações indígenas, proteção do meio ambiente em suas terras, e implementação de projetos e programas de auto-sustentação.

O decreto nº 1.141/94 criou uma Comissão Intersetorial, instância de articulação entre os Ministérios da Saúde, Meio Ambiente, Agricultura, e Cultura, além da FUNAI. O decreto delega à FUNAI a tarefa de coordenação das ações de assistência aos índios, mantendo entretanto a autonomia dos demais órgãos em relação ao orçamento e políticas setoriais de atenção aos índios.

O decreto nº 26, de 4 de fevereiro de 1991, atribuiu ao Ministério da Educação a coordenação das ações de educação escolar indígena.

O decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que substituiu o decreto nº 22, de 4 de fevereiro de 1991, dispõe sobre o procedimento administrativo para a demarcação das áreas indígenas. Com a edição do decreto nº 1.775/96, sugerida pelo Ministério da Justiça, inclui-se expressamente nos procedimentos administrativos de demarcação o chamado \\\"princípio do contraditório\\\" amplamente consagrado na Constituição.

O ingresso em áreas indígenas por pessoas estranhas à comunidade depende de autorização prévia do Presidente da FUNAI. Os estrangeiros residentes no exterior devem tramitar o pedido de autorização de ingresso por intermédio das repartições diplomáticas e consulares do Brasil.