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Documento Final do Acampamento Terra Livre

Midia Social

Terça-feira, 24 de Abril de 2007 14:14h

Documento Final do Acampamento Terra Livre


Nós, 1.000 lideranças, de 98 povos indígenas, das distintas regiões
do Brasil, mobilizados no IV Acampamento Terra Livre, a maior e
principal ação protagonizada por nós, na Esplanada dos Ministérios
em Brasília, de 16 a 19 de abril de 2007, para tornar visível, junto
ao Governo, a sociedade e opinião publica nacional e internacional,
a grave situação de desrespeito aos nossos direitos, após
analisarmos a conjuntura política e indigenista no Governo atual,
com destaque para nossas preocupações quanto aos impactos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sobre as terras que
tradicionalmente ocupamos, formulamos nossas prioridades e
estratégias de intervenção diante dos graves desafios relacionados
à: violência contra os povos indígenas; demarcação, proteção, gestão
e sustentabilidade das terras indígenas; atenção à saúde; educação
escolar; afirmação e o respeito aos nossos valores culturais;
participação na Comissão Nacional de Política Indigenísta (CNPI) e
ao exercício do controle social sobre os órgãos públicos;
proposições legislativas em tramitação na Câmara dos Deputados e no
Senado Federal, para exigir do governo vontade política no
atendimento das nossas reivindicações, através de uma política
indigenísta, realmente nova, democrática e sincronizada com os
anseios dos nossos povos e organizações.

Violência contra os povos indígenas, criminalização, prisão e
assassinato de lideranças

O quadro de violência contra os nossos povos tem se agravado nos
últimos anos, através da prisão ilegal, criminalização e assassinato
de lideranças e membros das comunidades, da intimidação e agressões
por parte das forças policiais, do confinamento de comunidades em
suas próprias terras, da discriminação e preconceito, da violência
contra as mulheres indígenas e da falta de assistência que vitima
por desnutrição e doenças endêmicas e epidêmicas como a malária e
hepatite, principalmente a crianças e idosos.

O Estado brasileiro deve garantir, através dos órgãos responsáveis,
a integridade física e cultural dos povos indígenas, a punição
daqueles que comentem crimes contra as comunidades e lideranças, o
atendimento de qualidade à saúde indígena, a assistência jurídica a
índios acusados de violência contra não índios, e o respeito às
instituições penais próprias dos nossos povos.

Demarcação, proteção, gestão e sustentabilidade. Impactos do PAC
sobre as Terras Indígenas

Continua preocupando aos nossos povos a extrema morosidade e até
paralisia na tramitação dos processos de demarcação das Terras
ocupadas tradicionalmente pelos povos indígenas, cenário que tem
estimulado o aumento das invasões às terras indígenas e a
dilapidação das riquezas naturais nelas existentes, acirrando
conflitos pela posse da terra e atos de violência contra as
comunidades.

Por essas razões considera-se fundamental que o Governo cumpra sua
obrigação constitucional de proteção dos bens indígenas e conclua a
demarcação de todas as Terras Indígenas e garanta a revisão dos
limites de Terras Indígenas quando as demarcações não tenham sido
empreendidas corretamente. Para tanto é preciso a formulação de um
Programa Integrado de Gestão territorial e desenvolvimento
sustentável dos povos e terras indígenas, com adequados recursos
orçamentários e financeiros; competente apoio jurídico e
administrativo às organizações indígenas nos processos de
desintrusão e demais ações de regularização ainda pendentes; a
eliminação das sobreposições de Unidades de Conservação (UC's) em
Terras Indígenas. Também é fundamental que o Poder Judiciário
assegure a demarcação das Terras Indígenas, bem como a posse da
terra.

Os impactos diretos ou indiretos de grandes empreendimentos como
hidrelétricas, estradas, linhas de transmissão, hidrovias,
agronegócio sobre as Terras Indígenas, colocam em risco a
continuidade física e cultural dos nossos povos, a integridade do
meio ambiente e da biodiversidade. É por isso fundamental que o
Governo garanta o direito dos povos indígenas à consulta prévia e
informada conforme estabelece a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), e o direito de exercer a sua
autonomia, que implica inclusive em não aceitar a implementação
desses empreendimentos em seus territórios. A Transposição do Rio
São Francisco, a Usina do Belo Monte, a barragem do Estreito, e as
hidrelétricas do Rio Madeira, são projetos contestados pelos povos
atingidos, mas o governo insiste em implantar.

Reivindicamos providências contra o aumento de conflitos, extração
de madeira, diminuição de Terras Indígenas, invasão pelos posseiros,
fazendeiros, mineradoras, seca de rios, aumento de agrotóxicos
utilizados pelo agronegócio.

Saúde Indígena

O atendimento à saúde indígena caracterizou-se pelo caos e
atendimento precário, em decorrência do fato da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) não ter se estruturado para cumprir devidamente a sua
função, situação que piorou pelo processo de partidarização dos
cargos no órgão e o fortalecimento da tendência de municipalizar o
atendimento e pela falta de apoio ao controle social exercido pelas
comunidades.

O Estado brasileiro deve, através do órgão gestor, resolver com
urgência casos críticos de atendimento à saúde que atingem os povos
indígenas, no Mato Grosso do Sul, no Vale do Javari; aprimorar o sub-
sistema de atenção à saúde indígena, garantindo autonomia financeira
e administrativa aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEI's), o exercício do controle social e a criação de Distritos e
pólos-base em regiões como Oiapoque e Tapajós. Não aceitamos a
municipalização do atendimento de saúde, pois muitos municípios não
tem a capacidade para gerenciar os recursos, e as prefeituras tendem
a desviar esses recursos para fins político-partidários.

Exigimos ainda o reconhecimento dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS)
como categoria profissional; a valorização dos pajés e parteiras,
garantindo a participação dos mesmos nas equipes de saúde; a
implantação de programas de saúde da criança, mulheres e idosos; o
respeito às deliberações dos conselhos locais, distritais e do Fórum
de presidentes de conselhos; realização de concurso público para a
saúde indígena com garantia de 50% das vagas para indígenas; o
encaminhamento das resoluções das Conferências de Saúde Indígena; a
garantia de condições de comunicação no sub-sistema e condições de
saneamento nas comunidades; e a participação dos povos indígenas nas
instâncias de decisão e gestão do sub-sistema.

Educação Indígena

A implementação da Educação Escolar Indígena Diferenciada nas
comunidades até hoje não atendeu as diretrizes e condições
estabelecidas pela legislação específica, ficando condicionada à
vontade de estados e municípios, que mostram pouco ou nenhum
interesse em que esta demanda dos nossos povos seja devidamente
atendida.

Em função desta realidade reivindicamos:

- criação de um sistema federal de educação escolar indígena com
subsistemas regionais gerenciados pelos professores e representantes
indígenas;

- realização ainda em 2007 das conferencias regionais e da
Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena;

- condições para a produção de material didático específico para
cada povo indígena;

- programas específicos com dotação orçamentária para a educação
escolar indígena em todos os níveis, incluindo a garantia do acesso
de indígenas ao ensino superior, através de cotas, bolsas e recursos
para manutenção e permanência durante o período de formação;

- realização de concurso público específico e diferenciado para
professores indígenas;

- criação de escolas técnicas profissionalizantes de ensino médio e
de programas específicos de graduação para os povos indígenas;

- avaliação periódica do plano plurianual da educação escolar
indígena; ampliação dos programas de formação de professores
indígenas de forma continuada, levando em conta a especificidade de
cada povo;

- reconhecimento da autonomia para a elaboração e implementação do
projeto político-pedagógico das escolas indígenas;

- valorização das línguas indígenas através de sua inclusão nos
currículos e programas de pesquisa das Universidades;

Nova legislação indigenista

Setores anti-indígenas vêm se articulado no Congresso Nacional para
tentar reverter os direitos dos nossos povos garantidos pela
Constituição Federal e o Governo Brasileiro não tem mostrado vontade
e interesse em apoiar a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos
Indígenas, em consonância com os interesses e aspirações dos nossos
povos.

Somos contrários a qualquer alteração dos nossos direitos garantidos
pela Constituição e reivindicamos que todos os assuntos de nosso
interesse sejam tratados no Estatuto dos Povos Indígenas e não de
forma fragmentada em Projetos de Lei isolados, como por exemplo o
relacionado com a exploração mineral nas Terras Indígenas. Por isso
entendemos que o Governo não deve encaminhar nenhum projeto
específico sobre esta matéria.

Reivindicamos também que na discussão e aprovação do Estatuto dos
Povos Indígenas, seja assegurada a participação direta dos nossos
povos e organizações.

Participação e controle social

A política indigenísta do Estado brasileiro tradicionalmente tem se
caracterizado por ser centralizadora e autoritária, formulada e
implementada a partir de diretrizes integracionistas, arcaicas e
ultrapassadas, que negam a participação dos povos e organizações
indígenas na definição das políticas e ações de governo que lhes
dizem respeito.

O Estado brasileiro deve garantir a plena participação dos povos e
organizações indígenas na formulação e acompanhamento de quaisquer
projetos e políticas que os afetem, conforme estabelece a
Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT)

Para o efetivo funcionamento da Comissão Nacional de Política
Indigenísta (CNPI) e de outras instâncias que formulam e implementam
políticas voltadas aos povos indígenas, é preciso que lideranças,
organizações e comunidades sejam informadas devidamente com
antecedência a respeito da pauta ou dos assuntos em questão.

O Estado brasileiro, na interlocução com os povos indígenas, garanta
a indicação de pessoas com capacidade de compreensão e respeito à
diversidade e especificidade dos povos e culturas indígenas.

Que o Estado brasileiro respeite a autonomia dos povos e
organizações indígenas ao indicarem ou substituírem seus
representantes nos espaços e instâncias de interlocução ou de
formulação das políticas públicas voltadas aos povos indígenas.

A CNPI deve garantir o repasse das atas e outras informações
necessárias aos conselheiros e organizações indígenas.

A CNPI deve ter uma página na internet para divulgar calendário de
reuniões, pauta, relatórios, documentos e receber propostas e
sugestões.

Os representantes indígenas devem chegar na cidade onde vai
acontecer a reunião da CNPI pelo menos um dia antes, para debater a
pauta, e definir suas posições.

Os participantes do Acampamento Terra Livre sentem-se fortalecidos
pela realização desta mobilização, que revelou o nível de
organização e luta dos nossos povos e organizações e que significou
uma maior qualificação de nossa articulação em nível nacional e da
nossa capacidade propositiva frente ao Estado e a sociedade
brasileira, para a solução dos problemas que tanto afligem as nossas
comunidades.

Esperamos do governo Luis Inácio Lula da Silva, neste momento de
instalação da Comissão Nacional de Política Indigenista, que revele
uma nova qualidade na interlocução e relação com os povos e
organizações indígenas, baseada no respeito e reconhecimento da
nossa autonomia na construção do nosso futuro.

Brasília, 19 de abril de 2007

A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos
nos artigos assinados.