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Dia de índio sem educação adequada

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19/04/2007

Índio Kaxinawá do Jordão (AC)

Fotos: Sérgio Vale e A Tribuna

 

 

Hoje não é dia de festa”

Josafá Batista (*)

Herdeira da antiga União das Nações Indígenas (UNI), a Organização dos Povos Indígenas do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia (Opin) representa 18 povos indígenas. Talvez por isso, o seu coordenador regional, o Kaxinawá Manoel Gomes da Silva, 46, é cuidadoso ao falar de desenvolvimento econômico. Mesmo assim, ele admite: é preciso investir em desenvolvimento econômico e social.

Mas há uma ressalva. Para Silva, que milita no movimento indígena organizado há 21 anos, as decisões nesse processo devem primeiro ser avaliadas criteriosamente pela própria sociedade. É o caso da possibilidade de exploração de petróleo, por exemplo. “Os índios não são contra o desenvolvimento. Só queremos diálogo e informação”, resume.

No Dia do Índio, comemorado hoje, Silva revela que não se identifica nem com ambientalistas, nem com desenvolvimentistas. A saída, pelo menos nesse caso, é a terceira via. Veja a entrevista exclusiva.

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   Festival de Cultura e Arte dos Yawanawá (AC) um dos mais bonitos da Amazônia

Qual é a situação geral dos povos indígenas atualmente, no tocante aos indicadores sociais?

A situação no Acre, na Amazônia, não é tão diferente da situação no resto do País. Hoje aqui temos uma organização com potencial grande, são 12 organizações, mas temos muitos desafios pela frente. Melhorar a qualidade da saúde com atenção às peculiaridades de cada povo, concluir a demarcação das terras indígenas, buscar qualidade na educação escolar dentro da tradição de cada povo, tentar abrir a porta da universidade para fazermos um quadro técnico qualificado em nível superior para que possamos ter uma boa administração e ajudar o Estado a funcionar melhor e chegar àquele ponto do desenvolvimento sustentável que tanto se fala. Tudo isso é desafio.

O índio moderno, nesse caso, quer educação de alto nível e participação nos processos públicos. É isso?

O índio moderno quer desenvolvimento sustentável. Acho que dá na mesma. Mas só vamos ter desenvolvimento sustentável no Acre quando todo mundo tiver qualificação profissional, com bons administradores, médicos, advogados, engenheiros agrônomos, engenheiros florestais, enfim, tendo isso à disposição dos povos tradicionais nós estaremos com segurança para garantir os nossos rituais e a nossa tradição, além de tudo o que a natureza nos deu.

A educação compartilhada permitiria o consenso, mas isso garantiria que as políticas adotadas seriam corretas?

Se o desenvolvimento por meio da educação sustentável for para todos, sim. Quando se fala em prospecção de petróleo aqui, por exemplo, é necessário ter muita conversa e ouvir muito. É um trabalho educativo, é um trabalho de desenvolvimento sustentável. Se alguém faz uma coisa sem discutir e implanta sem a troca de idéias, é algo insustentável porque vão surgir oposições com o tempo, sem contar os efeitos negativos que podem ser causados ao longo desse mesmo investimento, após a sua implantação.

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                Monoel Gomes, coordenador da Opin

Como os povos indígenas estão recebendo a idéia da prospecção de petróleo?

Como eu disse, a gente tem o impacto da educação nesse exemplo da prospecção. Foram feitas várias audiências, mas não foi discutido nada com as populações tradicionais. Nada mesmo. Por enquanto, só existe papel, palavra, e isso é ruim para o próprio projeto, cujo objetivo final é mesmo a implantação. Eu sempre digo que qualquer projeto, seja de construção de estrada, prospecção ou de qualquer forma de exploração, tem que vir em forma de projeto, mas acompanhado sempre pela discussão.

Qual é o objetivo da discussão?

O projeto tem que ser ouvido. Todos têm que participar, não apenas para ouvir, mas para que entendam do que se trata. Nesse caso da prospecção, o povo indígena nem mesmo sabe do que se trata, imagine o impacto. Tanta desinformação é grave porque, mesmo sem prospecção, hoje em dia já existe invasão às terras indígenas, como é o caso da Terra Indígena Jaminawa-Arara, em Cruzeiro do Sul. Estão tirando madeira para comercializar de dentro daquela área, e tudo isso é impacto. Agora, como se combate isso? Com educação. Não se trata da educação da escola, eu falo de outra educação. É aquela mais resistente, consistente, que nasce do diálogo e do entendimento. Se todos respeitarem o direito de cada um, a diferença de cada um, nós alcançaremos sim o desenvolvimento sustentável. E essa consciência só é possível pela educação.

E as diferenças culturais, como sobreviveriam?

Cada povo tem a sua tradição, sua pintura, sua festa. Se o povo tem uma boa qualidade de vida, que tenha uma sustentabilidade, tem uma vida boa e não há porque criar uma cultura única. Mas isso tem que acontecer com todos, inclusive os brancos. Caso contrário, nós nunca ficaremos confortáveis ou em paz porque sempre vamos estar sendo atacados por alguém, aperreados por alguém, porque a injustiça social leva a isso. E sabemos que a fome de muita gente hoje em dia é a fome de petróleo, de riquezas, de tudo isso. Nós não temos esse olho grande.

Como o senhor acha que seriam mantidos os valores empreendedores, do homem branco, e as estruturas principais dos povos indígenas?
Temos condições de fazer e há irmãos nossos em outros países que já vivem assim. Alguns têm empresas e o seu próprio trabalho cultural. Além disso, há índios empresários que ajudaram a construir esse país, e aqui no Acre não poderia ser diferente. Apesar disso, o que nós estamos lutando é para manter a nossa riqueza natural, viver com ela o resto da vida e também não acabar com a nossa realidade, nossa identidade.

Isso complica um pouco as coisas. O senhor disse antes que busca conjugar o desenvolvimento e as tradições indígenas...

Vou lhe dar um exemplo lá da Colônia 27, que é a menor terra indígena do Estado. A população indígena cria peixes em cativeiro. O povo lá cria peixe com fartura. A terra, na verdade, está devastada e não existe quase mais floresta, mas o povo retirou todo o capim e plantou pupunha, macaxeira, banana. Isso existe hoje, é um exemplo do que pode ser feito no futuro. Não está no papel, nem no plano. É real, entendeu?

Onde fica esse lugar?

Em Tarauacá. É lá que mora a minha família, minha mãe e meus irmãos.

E onde vocês vendem essas mercadorias?

É mais para consumo próprio, mas quando precisam comprar outra coisa eles juntam algumas centenas de quilos de peixe e vendem. Vendem antes de chegar na cidade, porque o preço é razoável. Custa 5 reais o quilo. Veja, é a educação real para o desenvolvimento sustentável. Começamos a fazer isso em 1992, com a ajuda de um alemão. Fizemos o primeiro um açude e foi a primeira comunidade onde começou e está dando certo até hoje.

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                  Sala de aula dos índios Kaxinawá, do Jordão (AC)

E a qualificação educacional, como pode ser feita?

Hoje temos professores indígenas fazendo o curso superior e dezenas de alunos que concluíram o ensino médio e também estão na faculdade. A nossa esperança é que todos eles concluam esse estágio superior e tenham a sua formação. Nós precisamos. Precisamos de engenheiros índios para a piscicultura, advogados índios para acompanhar processos criminais contra índios (que existem muitos), de médicos para ficar nos hospitais porque muitos médicos têm preconceito até com o próprio branco, de engenheiros agrônomos para fazer levantamentos do potencial das nossas terras e elaborar projetos para buscar recursos, de contadores para fazer contabilidades sem erros nas execuções financeiras e de administradores para administrar as comunidades para que tudo isso dê certo. E precisamos de engenheiros agrimensores para fiscalizar os limites das terras indígenas...

O senhor falou há pouco sobre a prospecção de petróleo. Qual a sua opinião sobre a implantação dessa cadeia econômica, tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental?

Na verdade, eu vejo que o governo, os políticos, estão muito apressados. O interessante é que nem mesmo o impacto ambiental na BR-364 foi concluído. Já essa prospecção é uma coisa nova, as comunidades não sabem do que se trata. Mesmo nós, da Opin, entendemos pouco e acompanhamos quase tudo pela imprensa. E isso é um problema. O movimento indígena não está sendo convidado para discutir, só discutem as empresas, os políticos, o governo. Não estamos sendo ouvidos. As pessoas mais interessadas no petróleo até hoje não chegaram para o movimento indígena para perguntar a opinião deles ou mesmo para informar benefícios ou malefícios.

Mas a exploração de petróleo o senhor sabe o que é, certo? Os povos indígenas da Bolívia e do Peru conhecem bem essa realidade. Qual a sua opinião sobre a utilização do petróleo como alternativa econômica?
Nenhuma comunidade, nenhum índio, é contra o desenvolvimento, desde que seja um desenvolvimento sem matar ninguém. Não pode haver desenvolvimento com a morte de índios, brancos, de qualquer pessoa. Também não queremos ser escadas para que os outros subam. Nós tivemos esse exemplo da construção da BR-364 até Rondônia, com a comunidade Kaxarari. Lembra? Foi horrível o que aconteceu, e não queremos de novo.

Então, o movimento indígena é favorável ao petróleo... desde que seja chamado para dialogar e também participar dos benefícios. Certo?
Sim, mas não queremos um simples diálogo. Na prospecção temos que ter acesso aos documentos, aos programas de desenvolvimento. Que se construam cenários para o desenvolvimento não só dentro de um ano, mas as expectativas para os próximos 100 anos.

E quanto à exploração petrolífera nas aldeias indígenas?

A exploração em terras indígenas é inconstitucional. O Tribunal de Contas da União andou tentando flexibilizar, mas não pode. O governo nem mesmo aprovou o Estatuto do Índio, e já querem explorar as terras indígenas. Como eu disse, são muito apressados...

Vamos falar em hipótese. Vamos supor que o movimento indígena concordasse na extração do petróleo ou gás no subsolo das suas terras indígenas. O dinheiro dos royalties não poderia custear todo esse processo educacional pelo qual a Opin tanto luta?

Exatamente, poderia sim. Mas nós também temos muito dinheiro. Dinheiro do BID, do BNDES, do próprio governo federal. Nosso problema atual é que esse dinheiro nunca chega nas aldeias. Em alguns, em vez do dinheiro, só vem a notícia que o governo vai fazer isso, investir naquilo. E fica na palavra. Esses recursos deveriam ser utilizados para formar o nosso pessoal em escolas privadas, nessas profissões que eu citei...

Por que escolas privadas?

Porque às vezes as escolas públicas não têm dinheiro para investir. Falta uma coisa, falta outra... Mas se for para o setor privado, é preciso fazer projetos de verdade, não é só para enganar os índios. Porque se isso acontecer, só as empresas vão ganhar.

Resumindo, então, poderíamos dizer que o senhor é favorável ao petróleo, inclusive em Terras Indígenas, desde que haja um esclarecimento preciso do impacto ambiental potencial, certo?

Sou favorável, mas com o projeto sendo bem discutindo. Cidadão nenhum pode ser contra o crescimento e desenvolvimento de qualquer município ou Estado. Não temos esse espírito de empresa, mas estamos no meio de uma sociedade que funciona assim. Se a gente dizer não, a gente perde. O nosso direito está amparado no Brasil, na ONU, mas não queremos dizer não. Por isso mesmo, queremos a qualificação educacional: para participar mais desse processo. Com prospecção ou sem, nós vamos fazer. Está bem perto.

Hoje o branco comemora o Dia do Índio. Há o que comemorar?
Não temos nada a comemorar. Todos os anos, nessa época, o governo brasileiro fica sacaneando a gente. Como é que a gente vai comemorar? Em todos esses anos do governo Lula, nunca foi demarcada uma terra indígena sequer. O governo convocou lideranças indígenas de vários municípios. Ele quer fazer festa, mas nos vamos fazer manifestações, porque é isso o que devemos fazer. Vamos entregar documentos para todas essas lideranças para que elas tomem conhecimento da nossa real situação.

Outra medida do governo, já aprovada, mas igualmente polêmica, a da gestão de florestas públicas. Como o povo indígena encara essa questão?
É mais uma medida para retirar a nossa madeira, com registro e legalidade. É a continuidade da exploração que vai acabar com a floresta. Lembro que antes era tudo muito mais definido. Havia os madeireiros piratas, que eram facilmente identificáveis. Agora o governo entrou no bolo, ganha até receita em cima disso, cria órgãos públicos novos, consente e permite tudo isso. É uma pirataria legalizada.

 

(*) A entrevista acima foi publicada na edição de quinta-feira, dia 19 de abril de 2007, no jornal A Tribuna, de Rio Branco-Acre.