PROPOSTA DE AÇÃO AFIRMATIVA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
PARÁ DE INTEGRAÇÃO DE GRUPOS ÉTNICOS
Foi apresentado a todos a presente
proposta a respeito da adoção de uma política de
ação afirmativa cujo objetivo é o acesso de
grupos étnicos discriminados, aos cursos de graduação
desta Universidade, e sua posterior permanência.
I - Justificativa:
A expressão ação afirmativa, difundiu-se a
partir das políticas do Presidente dos EE.UU. J. F. Kennedy
que as definia como “conjunto de políticas públicas e
privadas de caráter compulsório, facultativo ou
voluntário concebidas com vistas ao combate da discriminação
de raça, gênero, etc, bem como para corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no passado"
Sobre a constitucionalidade das ações afirmativas o
então Presidente do Supremo Tribunal Federal assim doutrinou:
"Do artigo 3º da Constituição Federal vem-nos
luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a
percepção de que o único modo de se corrigir
desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade
que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é
discriminado, que é tratado de uma forma desigual(...) Não
basta não discriminar. É preciso viabilizar - e
encontramos, na Carta da República, base para fazê-lo -
as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página
virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve
ser, acima de tudo, afirmativa. E é necessário que essa
seja a posição adotada pelos nossos legisladores."
Marco Aurélio Mello in "Discriminação e
sistema legal brasileiro", TST,20/11/2001. Portanto a
Universidade brasileira em cumprimento à Constituição
nacional tem inequívocas obrigações para com a
promoção da igualdade, respeitando a diversidade
étnica, cultural, religiosa, etc da sociedade brasileira.
A desigualdade e exclusão que afetam a esmagadora maioria da
população negra e parda nacional é gritante e
tem sido resistente às políticas sociais de inclusão
de cunho universalista, como bem demostram os estudos e pesquisas
feitos pelo governo federal através do IPEA e IBGE que mostram
as defasagens dos grupos não brancos na sociedade brasileira.
Este é portanto um momento privilegiado para a UFPA apresentar
sua contribuição para superação dessa
histórica desigualdade assim como integrar-se de vez no Plano
para promoção da diversidade na universidade aprovado
no Congresso Federal. Também estará nossa universidade
ajudando o Brasil a cumprir as metas que se propôs na
Conferência de Durban promovida pela ONU a fim de erradicar o
racismo e o preconceito
Vale também ressaltar que a educação é
hoje vista como o principal caminho para o desenvolvimento, melhoria
da qualidade de vida e materialização dos objetivos
nacionais. Portanto promover uma maior participação dos
negros, principalmente e dos povos indígenas insere esta
universidade nos esforços para construção de
mecanismos capazes de desenvolver nosso País e Região
em bases multiculturais e democráticas.
Convém salientar que atualmente duas Universidades federais já
aprovaram a política de cotas, e várias outras estão
em estágios diferenciados de discussão de semelhante
proposta.
Sendo assim apresentamos a seguir aos Senhores alguns dados a serem
considerados para a aprovação deste Projeto.
1 - Dos Fatos:
A população negra e parda brasileira assim como a
indígena construiu o Brasil, mas seus descendentes hoje estão
marginalizados na sociedade isso como resultado das desigualdades
geradas pelo escravismo e pelo secular massacre exercido contra esses
povos. Vide as séries históricas abaixo apresentadas,
que nos dão a importância demográfica dos não
brancos na sociedade brasileira (gráficos 1 e 2)
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
O resultado, como mostram esses gráficos é uma alta
participação demográfica dos negros e pardos.
Porém quando olhamos apenas um dos dados que compõem a
cesta do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a saber a
escolaridade o que percebemos é uma marginalização
que resiste às políticas sociais universalistas que
melhoram o nível de ensino no geral mas não conseguem
vencer as diferenças entre negros e brancos (gráfico
3), constituindo quase que um sistema de castas na educação
da população do Brasil
De acordo com o IBGE quando o assunto é ensino superior, o que
no nosso caso é o que está em tela, no cruzamento da
série de escolaridade concluída com a cor ou raça,
são os amarelos (26,9%) que detêm o maior percentual de
nível superior concluído, sendo que pardos (2,4%),
indígenas (2,2%) e pretos (2,1%) apresentam taxas cinco vezes
menores que a dos brancos (9,9%). Essas informações,
com tabelas que chegam ao nível de município fazem
parte da série de publicações temáticas
que o IBGE vem lançando ao longo de 2003 sobre o último
Censo Demográfico e que aborda temas como Migração,
Deficiência, Religião, Nupcialidade e Fecundidade e
Trabalho e Rendimento.
Os dados da última PNAD feita pelo IBGE referentes à
cor das pessoas com nível superior concluído, por área
de formação, mostram que em Ciências Sociais ,
Administração e Direito, área com o maior número
de pessoas (2,3 milhões) e que apresenta a maior oferta de
vagas, predominam as pessoas de cor branca (84,4%), seguidas das
pardas (11,1%), amarelas (2,1%), pretas (1,9%) e indígenas
(0,1%).
No que diz respeito a permanência no ensino superior a tragédia
dos negros é a pior possível pois quanto às
pessoas com idade igual ou superior a 20 anos e que ainda freqüentam
o nível superior (3% da população total), 7,2%
são amarelos; 4,2%, brancos; 1,4%, pardos; 1,1% indígenas
e 1,0%, pretos.
A pós-graduação vem por sua vez cristaliza essas
desigualdades já que de acordo com a supra referida PNAD do
grupo dos mestres e doutores (mais de 300 mil), 86,4% são
brancos; 9,2%, pardos; 1,9%, amarelos; 1,8%, pretos e, apenas 0,2%,
indígenas !
2 - Das questões jurídicas
Muito tem se falado da inconstitucionalidade ou da não
existência de amparo legal para políticas de ação
afirmativa para grupos discriminados por razões étnicas
no Brasil. Como contraditório apresentamos em anexo uma
coletânea de documentos legais que já foram promulgados
além disso muitos projetos legislativos sobre o tema estão
em tramitação no Congresso.
O próprio Superior Tribunal Federal, respondendo de maneira
pragmática aqueles que insistem na não legalidade das
cotas, instituiu cotas para negros nas distribuições de
cargos comissionados e funções de confiança
Como vemos senhores, leis e fatos não faltam! Cabe agora à
UFPA dar um passo no sentido de tornar essas intenções
do legislador uma realidade, de tal forma que a herança de
desigualdade e marginalização dos não brancos
brasileiros possa em breve ser senão extirpada mas
consideravelmente reduzida.
II. Objetivo:
A presente metodologia tem por finalidade atender à
necessidade de criarmos na Universidade Federal do Pará
(UFPA), uma composição demográfica, social e
étnica capaz de expressar a complexidade étnica e
racial do Estado do Pará e por conseguinte a complexidade da
sociedade brasileira.
III. Ações para alcançar o objetivo:
1. Acesso:
a) Disponibilizar, por um período de 10 anos, 20% das vagas
oferecidas no processo seletivo seriado da UFPA para estudantes
negros, em todos os cursos oferecidos pela universidade.
b) Disponibilizar, por um período de 10 anos, uma vaga em cada
curso para índios de tribos situadas na Amazônia Legal,
assim como para quilombolas do território paraense, sempre
como resposta às demandas específicas. de capacitação
colocadas pelas nações indígenas e comunidades
quilombolas, e apenas na medida em que contém com
secundaristas qualificados para preenchê-las.
c) Apoio à escola pública: Implementar uma ação
afirmativa de cunho social para os alunos do ensino médio
paraense através de um curso vestibular para negros e carentes
das escolas públicas de ensino médio do Estado do Pará.
d) Apoio pedagógico aos professores da rede escolar de
educação básica para dar cumprimento as
determinações da lei 10.639/2003.
2. Permanência:
a). A UFPA se comprometerá a assinar convênios com
entidades federais, estaduais e municipais assim como quaisquer forma
contratual com entidades de direito privado para a possível
concessão de bolsas de manutenção, alojamento e
alimentação para os estudantes indígenas e
quilombolas em situação de carência, segundo os
critérios definidos pela UFPA.
b). A UFPA se disporá a implementar três programas
relacionados diretamente com o Plano de ação
afirmativa:
b.1) um programa de apoio acadêmico psicopedagógico, ou
de tutoria, não obrigatório, porém sob
solicitação, para todos os cotistas que demonstrarem
dificuldades no acompanhamento das disciplinas;
b.2) um programa acadêmico destinado a observar o funcionamento
das ações
afirmativas, avaliar seus resultados periodicamente, sugerir ajustes
e modificações e
identificar aspectos que prejudiquem sua eficiência;
b.3) uma Ouvidoria, destinada a promover inclusão de pessoas
negras e membros de outras minorias e categorias vulneráveis
na universidade.
IV. Operacionalização do Plano
1. Será nomeada uma Comissão para Implementação
do Programa de ação afirmativa, a ser constituída
pelo CONSUN
2. Paralelamente aos trabalhos da Comissão, a UFPA realizará
uma campanha de publicização do Plano de ação
afirmativa da UFPA nos campi da UFPA, nas escolas secundárias
do Estado e para a população em geral, visando com isso
intensificar um processo de integração racial, étnica
e social no seio da sua população paraense.
3. Para fins de acompanhamento do processo de integração
racial, será introduzido o quesito cor, tanto por
auto-classificação como segundo as categorias do IBGE,
nas fichas de inscrição ao vestibular e nas fichas de
registro acadêmico dos candidatos aprovados.
ANEXO
Principais instrumentos legais para referência
1. Decreto n. 62.150 - 19/01/1968 Presidência da República
"Promulga a Convenção n. 111 da OIT sobre
discriminação em matéria
de emprego e profissão",
3. Decreto n. 63.223 - 06/09/1968 Presidência da República
"Promulga a Convenção relativa à luta
contra a discriminação no campo de ensino",
3.Decreto n. 65.810 - 08/12/1969 Presidência da República
"Promulga a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial",
4.Lei n. 7.668 - 22/08/1988 Presidência da República
"Autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação
Cultural Palmares - FCP e dá outras providências",
5. Lei n. 7.716 - 05/01/1989 Presidência da República
"Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou
de cor",
6. Lei n. 9.029 - 13/04/1995 Presidência da República
Proíbe práticas discriminatórias, para efeitos
admissionais ou de permanência da relação
jurídica de trabalho por motivo de sexo, origem, raça,
cor, estado civil, situação familiar ou idade, e dá
outras providências,
7. Decreto - 20/11/1995 Presidência da República
"Institui o Grupo de Trabalho Interministerial, com a finalidade
de desenvolver
políticas para a valorização da população
negra e dá outras providências",
8. Decreto - 20/03/1996 Presidência da República
"Cria, no âmbito do Ministério do Trabalho, o Grupo
de Trabalho para a Eliminação da Discriminação
no Emprego e na Ocupação - GTEDEO, e dá outras
providências",
9. Decreto n. 1.904 - 13/05/1996 Presidência da República
"Institui o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH",
10. Lei n. 9.315 - 20/11/1996 Presidência da República
"Inscreve o nome de Zumbi dos Palmares no Livro dos Heróis
da Pátria",
11. Lei n. 9.455 - 07/04/1997 Presidência da República
Caracteriza crime de tortura qualquer constrangimento que cause
sofrimento
físico/mental em razão de discriminação
racial,
12. Lei n. 9.459 - 13/05/1997 Presidência da República
Dispõe sobre os crimes resultantes de discriminação
ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem,
13. Portaria n. 1.740 - 26/10/1999 Ministério do Trabalho e
Emprego
Determina inclusão de dados informativos de raça/cor
nos formulários da Relação Anual de Informações
Sociais - RAIS - e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados -
CAGED,
14. Portaria n. 604 - 01/06/2000 Ministério do Trabalho e
Emprego
Institui, no âmbito das Delegacias Regionais de Trabalho, os
Núcleos de Promoção da Igualdade de
Oportunidades e de Combate à Discriminação,
15. Portaria n. 202 - 04/09/2001 Ministério do Desenvolvimento
Agrário
Estabelece cotas para negros e negras em cargos de direção,
no preenchimento
de vagas em concurso público, na contratação por
empresas prestadoras de serviço e por organismos
internacionais de cooperação técnica,
16. Decreto n. 3.912 - 10/09/2001 Presidência da República
"Regulamenta as disposições relativas ao processo
administrativo para identificação dos remanescentes das
comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação,
a demarcação, a titulação e o registro
imobiliário das terras por eles ocupadas",
17. Portaria n. 222 - 28/09/2001 Ministério do Desenvolvimento
Agrário
Institui a vertente de raça/etnia no Programa de Ações
Afirmativas do MDA/INCRA e determina suas funções,
18. Portaria n. 224 - 28/09/2001 Ministério do Desenvolvimento
Agrário
Altera o Regimento Interno do INCRA incluindo o Programa de Ações
19. Decreto n. 3.952 - 04/10/2001 Presidência da República
Institui, no âmbito do Ministério da Justiça, o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação
(CNCD), bem como determina suas competências,
20. Portaria n. 03 - 16/10/2001 Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão
Institui, no âmbito da Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, o Grupo Temático de Trabalho sobre
Discriminação Racial,
21. Portaria n. 1.156 - 20/12/2001 Ministério da Justiça
Institui o Programa de Ações Afirmativas do Ministério
da Justiça, estabelecendo cotas para afrodescendentes,
mulheres e pessoas portadoras de deficiência na ocupação
de cargos de direção e assessoramento superior (DAS) e
nas contratações de empresas prestadoras de serviços,
técnicos e consultores,
22. Portaria n. 25 - 21/02/2002 Ministério do Desenvolvimento
Agrário
Determina que as empresas/parceiros contratados ou que mantenham a
prestação de serviços ao MDA/INCRA comprovem
desenvolvimento de ações afirmativas em seus quadros.
As empresas licitantes devem apresentar propostas para esse tipo de
ação,
23. Protocolo de Cooperação - 21/03/2002 Ministério
da Ciência e Tecnologia, Ministério da Justiça,
Ministério da Cultura e Ministério das Relações
Exteriores
Fixa diretrizes para a criação e concessão de
"Bolsas-prêmio de vocação para a diplomacia"
em favor de estudantes afrodescendentes,
24. Decreto - 21/03/2002 Presidência da República
"Institui Grupo de Trabalho com a finalidade de propor e
implementar ações voltadas ao desenvolvimento
sustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos e
dá outras providências",
25. Decreto n. 4.228 - 13/05/2002 Presidência da República
"Institui, no âmbito da Administração
Pública Federal, o Programa Nacional de Ações
Afirmativas e dá outras providências",
26. Decreto n. 4.229 - 13/05/2002 Presidência da República
"Dispõe sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos -
PNDH, instituído pelo Decreto n. 1904, de 13 de maio de 1996,
e dá outras providências",
27. Portaria n. 484 - 22/08/2002 Ministério da Cultura
Institui o Programa de Ações Afirmativas do Ministério
da Cultura estabelecendo cotas para afrodescendentes, mulheres e
pessoas portadoras de deficiência na ocupação de
cargos de direção e assessoramento superior (DAS) e nas
contratações de fornecedores, empresas prestadoras de
serviços, técnicos e consultores,
28. Lei n. 10.558 - 13/11/2002 Congresso Nacional
"Cria o Programa Diversidade na Universidade, e dá outras
providências",
29. Lei 10.639/2003 - "Altera a LDB ,introduzindo a
obrigatoriedade do ensino das disciplinas História da África
e Cultura afro-brasileira no Ensino fundamental e médio"
30. Decreto 4.651 de 27 de março de 2003 que cria a Secretaria
especial de promoção de políticas e igualdade
racial.
Belém/Fevereiro/2004
Elaborado pelo Grupo de Trabalho de Políticas de Acesso à
Universidade
- Prof. Roberto Ferraz Barreto – Pró-Reitor de Ensino de
Graduação
- Prof. Raimundo Jorge Nascimento de Jesus – Depto. Ciência
Política/CFCH
- Profa. Zélia amador de Deus – Depto. de Artes/CLA
- Prof. Raimundo Alberto Figueiredo Damasceno – DAPE/Centro de
Educação
- Profa. Marilú Márcia Campelo – Depto.
Antropologia/CFCH
- Assunção José Pureza do Amaral –
Representante do Conselho Municipal do Negro