Índios, direitos
e dívidas
Logo após
a Páscoa, eis que nosso calendário indica a chegada do
Dia do Índio. Certamente, muitos professores vão
envolver seus alunos na nova temática. Cartazes, pinturas,
desenhos feitos pelos professores e seus alunos têm agora
referências a seres humanos e suas culturas. Tendas e aldeias
são os temas básicos, tendo como substrato aquilo que
se sabe (e que é muito pouco) sobre os índios do Brasil
e da América. Em razão da influência do farwest,
e da cultura cinematográfica, a visão que é
passada para os estudantes tem como foco dominante os índios
americanos. Sobre o dia-a-dia dos índios brasileiros,
inclusive daqueles que vivem em nossas cidades, pouco ou nada se
comenta. Muito menos, a sua trajetória como povos
minoritários, oprimidos por nossa sociedade, senhores de
direitos sempre negados e titulares de muitas dívidas
continuamente relegadas pelas autoridades.
Entre as
recomendações programáticas do MEC, os índios
aparecem como tema transversal. Isto é, um tema que pode e
deve ser trabalhado pelas diferentes disciplinas do currículo.
Mas isso, na prática docente, raramente tem acontecido, tanto
nas escolas públicas, quanto particulares. Em Santa Catarina,
a diretoria do ensino fundamental da Secretaria de Educação
e Inovação abriga um Núcleo de Educação
Indígena (NEI) que tem como objetivos a supervisão das
escolas indígenas e a formação de professores
índios. Os resultados até agora alcançados pelo
NEI são relevantes, porém são praticamente
ignorados pelo sistema escolar como um todo. Quem sabe, por exemplo,
que mais de 50 indígenas estão freqüentando cursos
superiores, a maioria em busca de melhor formação
escolar para o exercício do magistério? E que alguns
estão adentrando em cursos como direito, enfermagem e
agronomia? Quem sabe dos direitos indígenas às terras
que tradicionalmente ocupam, estabelecidos na Constituição
Federal de 1988, em seus artigos 231 e 231? Quem sabe dos convênios
internacionais de que o Brasil é signatário e que
remetem aos compromissos do país em relação à
defesa e à proteção das minorias indígenas?
Parece-me
que no dia-a-dia escolar prevalecem as visões estereotipadas
presentes em nossa sociedade dominante. Assim, também nas
prefeituras e nas administrações regionais o tema índio
quase sempre não está nas agendas e, quando presente,
aparece como secundário. Os conflitos locais em relação
ao domínio das terras que lhes pertencem em diferentes regiões
têm renovado os discursos coloniais sobre os índios e
suas culturas por parte de administradores, políticos,
empresários e formadores de opinião. A exteriorização
de preconceitos é a tônica, demonstrando que estamos
longe de constituir uma sociedade multiétnica e pluricultural,
centrada na tolerância.
Nesses
dias de abril, quando burocraticamente os indígenas são
lembrados nas escolas e na mídia, seria estratégico
pensar que temos dívidas para com eles. Além do
extermínio que sofreram, do esbulho de suas terras, da falta
de assistência econômica e de saúde, hoje
continuam vítimas de políticas equivocadas que lhes
negam a demarcação das terras tradicionais e seu
reconhecimento como povos diferenciados. A intolerância e o
preconceito precisam ser combatidos, a partir da melhor compreensão
das perversas relações mantidas pela sociedade
dominante. As escolas têm nesse sentido um papel altamente
estratégico, e para tanto é necessário que os
próprios professores construam, a partir da autocrítica,
novos olhares focalizando os direitos dos indígenas e nossas
dívidas, passadas e presentes.
Sílvio
Coelho dos Santos, antropólogo, professor emérito UFSC,
pesquisador do CNPq
Obs: O
artigo do professor Silvio foi publicado nesta quarta-feira, na
sessão Opinião do Jornal A Notícia
www.agecom.ufsc.br
(Silvio Coelho dos Santos)